Em 2015, o rompimento da barragem de Mariana deixou um legado de devastação em várias cidades brasileiras, incluindo Linhares, no Espírito Santo. Recentemente, o Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), representando municípios afetados, incluiu-se em um processo judicial no Reino Unido contra a BHP Billiton e a Vale. Esta iniciativa visa responsabilizar as empresas pelos danos socioambientais causados pela tragédia.
No entanto, uma nova disputa legal surgiu: o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) moveu uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que tais processos sejam conduzidos em tribunais estrangeiros. Continue lendo
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), representante das maiores mineradoras do país, moveu uma ação na tentativa de impedir que municípios brasileiros ingressem com ações em tribunais estrangeiros. A entidade alega ser inconstitucional que entes federativos se envolvam em litígios no exterior. O caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada. O ministro Cristiano Zanin foi nomeado relator.
Dois dias depois, o Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) solicitou para ingressar no processo, iniciando uma batalha judicial. A entidade é composta por prefeitos dos municípios envolvidos em um processo judicial em tramitação no Reino Unido, para discutir a reparação dos danos do rompimento da barragem da mineradora Samarco, cuja reparação está sem efetividade há quase uma década, desde que a barragem de Fundão se rompeu em Mariana, no ano de 2015, contaminando o Rio Doce com rejeitos de mineração e matando 19 pessoas no distrito de Bento Rodrigues.
Insatisfeitos com o processo reparatório no Brasil, cerca de 700 mil atingidos e 46 municípios, além de empresas e instituições religiosas acionaram as cortes britânicas visando responsabilizar a BHP Billiton. A mineradora anglo-australiana, com sede em Londres, é uma das acionistas da Samarco. A multinacional brasileira Vale, outra sócia, foi posteriormente incluída no processo. Audiências marcadas para outubro deste ano irão avaliar a responsabilidade das duas mineradoras.
Ibram questiona transparência das ações
De acordo com nota divulgada pelo Ibram, a ação levada ao STF é uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que tem o objetivo central de resguardar a soberania brasileira. A entidade alega que, sem passar pelo crivo da Justiça brasileira, a transparência das ações movidas no exterior fica comprometida. Além disso, sustenta que a participação do Ministério Público nos processos envolvendo entes federativos é obrigatória, o que ficaria inviabilizado em casos que tramitam fora do país.
“Ações ajuizadas no exterior por municípios escapam do controle do Poder Público, não obedecem a princípios constitucionais e a organização do Estado brasileiro. Por não passarem pelo crivo do Poder Judiciário brasileiro e tramitarem perante jurisdição estrangeira, fica prejudicada a transparência dos processos e a participação do Ministério Público, essenciais para defender a ordem jurídica brasileira e promover a pacificação social”, diz a nota.
O Ibram ainda argumenta que que a judicialização fora do país vem afetando a mineração e gera consequências adversas para o setor. Acrescenta que é competência privativa da União tratar de assuntos internacionais e que é vedado aos municípios se relacionarem diretamente com Estados ou jurisdições estrangeiras. “Dessa forma, qualquer ação judicial proposta no exterior pelos municípios deve contar com a anuência da União”, pleiteia a entidade.
O escritório Pogust Goodhead, representante dos atingidos e municípios na ação movida no Reino Unido, por meio de nota divulgada pelo advogado Tom Goodhead, classificou a ação do Ibram como um “movimento aparentemente orquestrado” e uma “cortina de fumaça” para desviar a atenção do crime socioambiental cometido na bacia do Rio Doce.
O advogado ainda mencionou ações que tramitam em outros países. Sete municípios atingidos pela tragédia de 2015 processaram subsidiárias da Vale e da Samarco sediadas na Holanda. Já na Alemanha, o município de Brumadinho (MG) integra uma ação movida contra a Tüv Süd, consultoria que assinou o laudo de estabilidade da barragem da Vale que se rompeu em 2019. No episódio, 272 pessoas morreram, incluindo nessa conta os bebês de duas vítimas que estavam grávidas. “Não é uma coincidência que as mineradoras que processamos no exterior sejam associadas ao Ibram”, afirmou.
Reação do Coridoce
A reação dos municípios que integram o Coridoce é assinada pelo advogado e ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Eles criticam o Ibram por levantar a questão faltando quatro meses para as audiências marcadas pela cortes britânicas para julgar as responsabilidade da BHP Billiton e da Vale. Alegam se tratar de uma manobra para que municípios brasileiros afetados por tragédias não possam utilizar jurisdições estrangeiras para buscar medidas reparatórias para os danos causados.
O prefeito de São José do Goiabal (MG) e presidente do Coridoce, José Roberto Gariff Guimarães, afirmou em nota se tratar de uma movimentação para impedir que a justiça seja realizada e para retardar a reparação. “A atitude das mineradoras reflete suas ações nos últimos sete anos, ou seja, tentam de todas as maneiras se eximirem do crime por elas cometido”.
O Coridoce também considera que o Ibram não tem legitimidade para apresentar a ADPF. Dizem ainda que a entidade quer obrigar os municípios a concordarem com acordos reparatórios nos quais não são ouvidos. No Brasil, o processo reparatório gira em torno do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) – firmado entre as três mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Com base nele, foi criada a Fundação Renova. Ela assumiu a gestão de mais de 40 programas, cabendo às mineradoras o custeio de todas as medidas.
Porém, passados mais de oito anos, a atuação da entidade é alvo de diversos questionamentos judiciais e desde 2022 há uma tentativa de repactuação do processo reparatório, capaz de apontar solução para mais de 85 mil processos que tramitam sobre a tragédia. Os município novamente não participa das tratativas, que atualmente registram um impasse porque os valores propostos pelas mineradoras ainda não atenderam às expectativas da União e dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.
A movimentação do Ibram também foi criticada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A entidade anunciou que entregou uma carta ao STF solicitando audiência com o ministro Cristiano Zanin. “Não pode haver dúvida de que o Ibram tenta se utilizar da ação para defender interesses puramente comerciais das mineradoras que cometeram no Brasil alguns dos maiores crimes ambientais da história, e buscam a qualquer custo se esquivar do dever de reparação. Inclusive, a ação é assinada pelos advogados que representam a mineradora anglo-australiana BHP nas questões relacionadas à tragédia de Mariana”, diz o documento. As informações são da Agência Brasil.
E onde fica Linhares nessa história?
A lama de rejeitos de minério que vazou da barragem da Samarco - cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP Billiton - em Mariana (MG) chegou ao mar, após passar pelo trecho do Rio Doce no distrito de Regência, em Linhares.
Pessoas que viviam da pesca, e ribeirinhos foram extremamente afetados pelo rompimento da barragem de Mariana.
Na época, a Prefeitura de Linhares emitiu um alerta para que as pessoas não entrassem nas praias de Regência, Povoação e Pontal do Ipiranga, porque a água estava imprópria para banho.
Isso torna Linhares um dos municípios que estarão envolvidos nessa disputa que o IBRAM moveu no STF.
Linhares News
O Globo
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